Homenagem à Cerâmica
Carlos Drummond de Andrade (1901 – 1987) publicou, no livro “Lição de coisas” (1962), o poema:
Cerâmica
Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xícara. Sem uso, ela nos espia do aparador.
Os versos poderiam ser um mantra para os criadores visuais da área. O título (“Cerâmica) já permite uma leitura sonora (“ser + “amica”, que significa “amiga”, em italiano). A palavra indica, portanto, “ser amiga”, ou seja, as amizades, os encontros de almas que a técnica permite. A “xícara”, que surge no primeiro e no terceiro verso, é “estanha” por ser formada por “cacos”, ou seja, fragmentos., “colados”, vale dizer, reorganizados.
Esse processo de reconstruir é característico de toda arte, que desmonta a realidade para remontá-la da maneira que cada criador acha melhor. Assim como a arte, essa “estranha xícara”, é aparentemente “sem uso” pragmático. Ambas são uma reunião de pedaços que, ao serem remontados, ganham novos e “estranhos” sentidos.
A xícara “espia” do “aparador” a todos nós. Não é um olhar distante, mas crítico, cercado de mistério. O mesmo faz a arte, que reinterpreta a existência humana e o sentido do mundo. Ela faz isso do seu posto, o “apara” + “dor”, um lugar que “retira os excessos” da “dor”, “recebendo-a”, “segurando-a” e” agarrando-a”.
Assim, a cerâmica (a “amiga do ser”), como arte que é, “modela as dores” do ser humano. Ambas são estranhas xícaras a nos fazer “espiar” e rever o mundo de maneiras surpreendentes.
Oscar D’Ambrosio
Imagem de curso de Paula Casella Biase