Uma das obras-primas do escritor brasileiro Carlos Drummond de Andrade é o poema “No Meio do Caminho”, publicado em 1928 na Revista de Antropofagia. O assunto, em linhas gerais, são os obstáculos (pedras) que as pessoas encontram na vida. Dia 20/7/2021, na exposição “Movimentos Laterais, de Afastamento e de Colisão”, com curadoria de Julie Belfer, na Galeria Quarta Parede (Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 722 - Vila Mariana, São Paulo – SP), havia, no chão, uma escultura de asfalto (betume em pedra), de Renata Carra.
Traz a escultura elementos que inserem caraminholas em nosso cérebro. Embora tenha seu peso, traz uma proposta cinética, já que cada um pode deslocá-la livremente. Significativamente, ela é de asfalto, ou seja, um betume espesso, escuro e reluzente, de estrutura sólida, o que remete, como apontava o poeta mineiro, às dificuldades dos caminhares pela vida. O objeto em questão é ainda, em primeira instância, uma pedra, que, por definição, é um fragmento solto de uma rocha, ou seja, um agregado sólido encontrado na natureza.
Portanto, “escultura”, “asfalto”, “betume” e “pedra” propiciam um universo rico em combinações de palavras propiciadas pela existência do objeto na galeria. E não é isso que Drummond fez?: “No meio do caminho tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio do caminho/tinha uma pedra/no meio do caminho tinha uma pedra”.
Pedras e palavras, no sentido mais concreto ou mais metafísico, constroem as nossas vidas. A escultura de asfalto de Renata Carra nos faz lembrar disso.
Oscar D’Ambrosio