textos

diárias de bordo

Pílula visual: Por um momento

Pílula visual: Por um momento
19/01/2021

A cópia de clássicos da pintura é muito utilizada por jovens artistas para praticarem e conhecerem a dificuldade de criar obras consideradas paradigmáticas. Além disso, a recriação é outra maneira de tomar referências do passado para atingir um resultado mais focado na arte chamada contemporânea.

Uma terceira via de conversar com o que já foi feito é tomar um trabalho como inspiração para desenvolver a própria linguagem. É o que faz Sirlei Pimentel, em “Por um momento”. A pintura, com tinta acrílica sobre tela, parte da célebre instalação geralmente conhecida como “O Quarto Vermelho”, de Cildo Meirelles (1948),que, na verdade, se chama “Desvio para o vermelho” (1967-1984).

Exibido no Instituto Inhotim, MG, em caráter permanente desde 2006, o trabalho de Meirelles é formado por três ambientes que dialogam entre si. O primeiro (“Impregnação”) apresenta o interior impecavelmente organizado de uma casa com móveis e objetos em tons de vermelho, representando a intimidade. Esse é o “O Quarto Vermelho”, de denso impacto visual.

No segundo, “Entorno”, há um corredor com o piso preto e um pequeno frasco caído, de onde escorre um líquido vermelho (transição do sangue que se dissemina do ambiente externo para o interno ou vice-versa?). No terceiro, “Desvio”, encontramos um ambiente escuro onde há uma pia branca respingada de um líquido vermelho (sangue?) que cai da torneira).

A obra de Sirlei Pimentel, pintada com tinta a óleo sobre tela, se insere em uma pesquisa da artista sobre cores, tonalidades e geometrias. Se as três partes da instalação de Cildo Meirelles questionam a percepção sensorial e psicológica de cada um do vermelho, a artista de Munhuaçu, MG, busca resultado semelhante com seu jogo visual. Tanto um quanto o outro, propõem as suas interrogações no olhar do observador.

“Por um momento” apresenta ricas ambiguidades. A obra trata de um instante, mas é visualmente dividida em três áreas de fundo vermelho  que se interligam pela geometria. Desse modo, é possível uma leitura, na tradição ocidental, da esquerda para a direita, com elementos geométricos; sem eles; e sem em eles em um espaço menor. Tudo contribui para perceber as intensidades do vermelho e como isso nos afeta, mesmo objetivo do consagrado artista carioca.

Oscar D’Ambrosio