Personagens de Cervantes, Dom Quixote de La Mancha e Sancho Pança são autênticos mitos. O livro de Cervantes que lhes deu origem é um marco na consolidação da língua espanhola, mas a narrativa pertence hoje ao gênero humano por diversos motivos. Um deles talvez seja que uma de suas fundamentações está na manutenção da capacidade de sonhar. O protagonista, perdido nos romances de cavalaria medievais já em decadência, sai pelo mundo em busca de aventuras e da conquista de sua amada. Perde a luta contra os moinhos de vento que vê como gigantes e falha na realização de seus desejos amorosos. Seu contraponto é o fiel companheiro Sancho Pança, nada heroico e imerso no realismo. A pintura de Ed Carlos de Jesus que enfoca o tema coloca os personagens sob uma apolínea luz solar. Muito maior no quadro que seu escudeiro, o cavaleiro da triste figura ganha uma dimensão vitoriosa em um ambiente ambíguo em que o piso e as laterais evocam rochas, mas também parecem metaforicamente ondas a engolir os viajantes. A jornada da arte envolve riscos para comunicar percepções de mundo que envolvam de alguma forma o observador. Ed Carlos de Jesus caminha por essas veredas com a sua linguagem de cores irreais, proporções peculiares e um ambiente que nos faz pensar e repensar se, em nossos sonhos, somos mais Dom Quixote ou Sancho Pança . Oscar D’Ambrosio