Pílula Visual: roçabarroca
O que é, o que é que que foi utilizado, no Brasil Colônia tanto na construção de senzalas, residências populares (as casas da roça) e igrejas matrizes mineiras como a Nossa Senhora das Mercês e a Nossa Senhora dos Perdões, em Ouro Preto, e a Nossa Senhora do Ó em Sabará? Se você pensou em Pau a pique, acertou!
A técnica, também chamada de taipa de mão, taipa de sopapo e taipa de sebe, consiste no entrelaçamento de madeiras verticais fixadas no solo, com vigas horizontais amarradas entre si por cipós. É gerado assim um painel com vãos que são preenchidos com barro, dando origem a paredes.É esse universo que o artista visual Thiago Honório (@honoriothiago) trata na instalação do Projeto Parede, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, SP.
O título "roçabarroca" é retirado do poema e do livro “Roça barroca”, da poeta e tradutora Josely Vianna Baptista, referência na tradução para o português de escritores latino-americanos do porte de Alejo Carpentier, José Lezama Lima, Juan Carlos Onetti, Mario Vargas Llosa, Augusto Roa Bastos, que prefacia o livro, Guilhermo Cabrera Infante e Jorge Luis Borges.
O livro em questão, publicado em 2011, pela editora CosacNaify, reúne poemas autorais de Josely e suas transcrições/traduções de cantos sagrados dos índios guaranis, num exercício intelectual que tangencia antropologia, arte, filosofia e política, áreas entrelaçadas, assim como os galhos, o bambu e o barro da obra de Thiago Honório.
Do mesmo modo que ocorre nas casas do interior do Brasilzão, os galhos e o barro que estão na instalação do corredor do MAM provêm do entorno. No trabalho de Thiago Honório, foram retiradas do Parque do Ibirapuera. Assim, o externo e o interno dialogam e interagem, convidando a uma redução dos limites entre a liberdade da natureza e a construção do processo artístico; e entre o considerado popular e o chamado erudito.
A instalação fica ainda num local de passagem, um corredor que dá acesso à maior galeria do Museu, criando uma nova e curiosa relação com os materiais, pois os ambientes feitos de pau a pique (senzalas, casas e igrejas) eram feitos para ficar e para durar. Na contemporaneidade, tudo é passageiro, inclusive a instalação de Thiago Honório, que está em um local de transição e será desmontada para a exibição de outro trabalho.
Se pensarmos que as principais características do Barroco, enquanto estilo artístico, são os contrastes, o exagero e a valorização de detalhes, o trabalho de Thiago Honório ganha novas possibilidades de leitura, como o próprio título, que é uma palavra só, uma espécie de corredor linguístico a percorrer o tempo.
Os contrastes (madeiras e bambu na vertical, na horizontal e na diagonal, entrelaçadas, como forças de tensão complementares, indicando elos entre a terra e desta com o divino da criação, seja da casa, como moradia do corpo ou da consciência, ou do próprio ser humano, também feito de terra na maioria das mitologias), o exagero (as proporções e dimensões do corredor transformado em caverna) e os detalhes (a técnica do pau a pique permite ver cada vão coberto com barro como uma obra de arte separada e, ao mesmo integrada com o todo) transformam a instalação de Thiago Honório em uma jornada pelo passado (as casas de pau a pique onde viveram inclusive integrantes da família do artista), um andar pelo presente (o espaço de um museu de arte revisita a cultura tradicional) e uma prospecção futura (para onde o corredor roçabarroca nos leva de fato?).
Oscar D’Ambrosio
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