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Ateliês: Sérgio Lucena

Ateliês: Sérgio Lucena
24/10/2020

A escritora francesa Simone de Beauvoir dizia que “é na arte que o homem se ultrapassa definitivamente”. Uma possibilidade de melhor apreensão dessa frase ocorre nas pinturas de Sérgio Lucena. Suas figuras de animais e paisagens lidam justamente com a ilimitada capacidade humana de transformar a realidade por intermédio da imagem.

Radicado em São Paulo, o artista, nascido em 29 de outubro de 1963, em João Pessoa, Paraíba, aos 11 anos, foi trabalhar como balconista na loja do pai. Espírito inquieto, aos 17 anos, inicia a sua trajetória universitária, que inclui dois cursos inacabados: Física e Psicologia na Universidade Federal da Paraíba. As indagações da primeira ciência e o estudo dos símbolos presente na segunda, no entanto, mantêm sólida presença em seu trabalho pictórico.

O resultado desse esforço foi a ida para Berlim, Alemanha, primeiro para expor e depois, em 1992, para estudar. Cresce assim a possibilidade de pesquisar novas técnicas e conhecer de perto os mestres. A paisagem começa então a se tornar dominante na sua pintura, entre outros fatores pela adequação da tinta a óleo para trabalhar grandes espaços.

O grande risco da pintura de Lucena é que o observador se iluda com as imagens em si mesmas. Suas figuras rebuscadas, por exemplo, evocam trabalhos realizados dentro da tradição moura, onde o adorno e o enfeite eram essenciais numa cultura religiosa em que retratar a imagem de Deus era proibido. As paisagens, por sua vez, surgem como uma resposta técnica ao desafio de que o trabalho com cores e formas fosse muito mais do que uma representação do real e se tornasse uma autêntica linguagem de pesquisa formal.

As camadas de tinta e o feitio cuidadoso, seja na pintura ou no acabamento, indicam um processo que se torna tão ou mais importante que o resultado final. Seus seres míticos e paisagens podem ser vistos como portais para uma outra esfera da consciência, mas constituem, acima de tudo, uma motivação para pensar.

Introduzem o observador na dimensão da imaginação, mas não na vertente pretensamente espontânea do surrealismo. O mundo do artista provém de suas entranhas enquanto artista atento ao entorno, principalmente em relação aos seres humanos, com suas vaidades e hipocrisias, mas também com sua sabedoria e infinito poder de criar.

Oscar D’Ambrosio