O trabalho com aquarela exige uma relação íntima e densa com a água. Assim como esta se ajusta ao local em que é colocada, seja um vaso, um copo ou um tubo de ensaio, a arte da aquarela exige essa mesma capacidade de se adaptar a diferentes situações em busca de um resultado que combine apuro técnico com sensibilidade e intuição.
Marina Martinelli é um exemplo disso. Ao se valer de diversas técnicas, ela mostra certas características, como uma pincelada geralmente larga e um amor à cor presente em boa parte de sua obra. A sua criação não se limita, portanto, a refletir sobre aquilo que vê, mas inclui o desejo de explorar novas fronteiras, seja em termos de formato ou cores.
Isso pode ser verificado na leitura e visualização atenta de Maraguainá, monografia de conclusão do curso de pós-graduação “latu sensu” em Artes Plásticas – Pintura em Aquarela, apresentada por Marina na Faculdade Santa Marcelina, em 2002, sob orientação de Iole Di Natale.
A artista retoma as experiências com textos manuscritos realizadas por mestres como William Blake, De Chirico, Matisse e o brasileiro Sérgio Lima, para estabelecer uma reflexão sobre o seu próprio trabalho a partir de uma viagem realizada à Amazônia que a impressionou profundamente.
Marina ressalta que seu pai, o engenheiro e arquiteto Italo Martinelli, foi o responsável pela equipe que participou da construção do primeiro arranha-céu de São Paulo, o prédio Martinelli, de propriedade de José Martinelli, irmão do avô da artista plástica, enquanto a mãe, Enedina Fornasaro, foi a primeira aluna a se formar em piano pelo Instituto Musical Santa Marcelina, em 1936.
Tecnicamente, Marina vale-se de contínuas sobreposições e esperas de secagem seguidas de novas investidas com o pincel. Obtém assim um fascinante resultado de transparências e veladuras que encontra um paralelo em suas pesquisas com desenho em grafite no papel, quando se vale continuamente da borracha, num intenso jogo de fazer e desfazer, construir/desconstruir seu próprio objeto artístico, num exercício de criação marcado pela perseverança.
Também dialoga com o flamenco, graças a aulas com a atriz e bailarina Ana Esmeralda. A mesma alma que revela na dança utiliza em sua arte pictórica. Há sempre em seus quadros um constante desejo de aprimoramento e realizações de elevada qualidade estética, em que os referenciais não são totalmente abandonados, mas sim tratados livremente.
A arte de Marina Martinelli realiza justamente esse jogo entre água e terra. Ao lidar com o meio aquoso, o faz de maneira consistente, criando uma obra lúcida, na qual, principalmente nas aquarelas, surge um poderoso vigor imagético, como ocorre com os trabalhos inspirados na Amazônia, que revela uma autêntica artista, digna desse nome pela constante capacidade de surpreender, mergulhando nas águas da criação e, como uma divindade amazônica, surgindo sempre renovada e pronta a assumir novos desafios.
Oscar D’Ambrosio