O artista plástico João Gerodetti é um apaixonado pelo tempo e por aquilo que ele causa no mundo e nas pessoas. Colecionador de cartões postais – com livros sobre o assunto que são referência –, oferece, em parte de sua obra, a oportunidade de ver a cidade de São Paulo de uma maneira muito pessoal.
Estão ali as reminiscências, ou seja, as lembranças de uma São Paulo que não existe mais, devorada pela especulação imobiliária e pela força de um pseudo-progresso. O artista explora visualmente os contrastes entre a São Paulo do passado com seus gradis, casas projetados por arquitetos italianos e igrejas tradicionais e a cidade de uma arquitetura contemporânea, muitas vezes impessoal e asséptica.
O resultado agradável e sutil é obtido em boa parte pela técnica utilizada nas pinturas. Ao combinar o traço do nanquim relacionado ao desenho, com a têmpera, material vinculado geralmente à pintura, obtém-se uma mescla que apresenta uma São Paulo de certo modo idealizada, já que nada é fotográfico.
As imagens são daquilo que já existiu e do que ficou. Os materiais empregados apontam, no esmaecimento das cores e delicadeza dos traços, um clima de certa fantasia, marcada pelo lirismo e pela construção de imagens com recorrências visuais, como os fios dos postes de luz, geralmente com traços incompletos, que se interligam nos olhos do observador.
Esses fios são uma metáfora da proposta visual de Gerodetti. Não está ali o explícito, mas a sugestão. Cada quadro evoca um passado e dialoga com o presente de modo a construir uma poética visual atemporal, regida pelo compromisso com a busca de um trabalho sincero que constitui uma forma de ver São Paulo que valoriza o que aí está sem esquecer daquilo que a cidade já foi.
Em paralelo a essa linha, existe uma outra, em que realiza assemblages com os mais diversos tipos de objetos, principalmente religiosos. Acumula figuras de santos e esculturas kitsch para compor obras que criticam a religião oficial sempre com muito bom humor, o mesmo que utiliza para ver as fachadas das igrejas brasileiras como expressões individuais, com personalidade visível em suas janelas e portas, que funcionam, na imaginação do artista, como janelas e olhos expressivos.
Premiado aos 12 anos por Aldo Bonadei e Odetto Guersoni num concurso de artes no Colégio Dante Alighieri, o paulistano João Gerodetti teve, bem mais tarde, uma obra escolhida por Pietro Maria Bardi para uma exposição sobre a cidade de São Paulo, seu tema favorito.
Transforma assim, com seu precocemente diferenciado de conhecedor da cidade, seu olhar de artista em quadros plenos de suavidade. Eles evidenciam, com técnica refinada, o rosto de São Paulo hoje, uma cidade cheia de contrastes cuja descoberta apenas aumenta o fascínio que por ela sentimos.
Oscar D’Ambrosio