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Ateliês: João Generoso

Ateliês: João Generoso
24/10/2020

Há artistas que são criadores sempre. Em qualquer situação que a vida os coloque eles demonstram seu poder de encontrar soluções que tenham como motivação maior sobreviver em qualquer situação a partir de seu próprio trabalho, que pode assumir as mais diversas facetas, mas sem nunca perder a sua autenticidade.

João Generoso é um desses artistas. Nascido em Itapira, SP, em 1950, sua infância está marcada pelo contato com a natureza, o fascínio pelas raízes das árvores e o entalhe em madeira. A vinda para a Capital paulista, no final dos anos 1960, ocorreu em busca de melhores condições de vida.

Consegue emprego numa galeria de arte na Avenida Santo Amaro, onde aprende a fazer molduras, preparar e esticar telas e lidar com tintas. Conhece então o universo da arte desde o cuidado com os materiais até o funcionamento do mercado e o respeito ao gosto dos mais variados tipos de cliente.

Torna-se ainda um pesquisador de materiais, sabendo fazer, por exemplo, a têmpera com gema de ovo. Lê livros, frequenta ateliês e mergulha nas mais diferentes técnicas como a encáustica, sempre se preocupando com a resistência de seu trabalho ao longo dos anos.

Seu tema preferido é o de cenas imaginárias com personagens que brotam de um universo onírico. São ambientes escuros em que as figuras humanas, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, não são tristes ou irônicas, mas ganham força pela intensa mordacidade com a qual enxergam o mundo.

São seres levemente deformados, carregados de significação. Cada obra tem em si uma pequena história, na maior parte dos casos de cunho social, com crítica aos poderosos. Geralmente existe esse jogo em que as personagens mais humildes são sempre mais interessantes do que aquelas que parecem deter o poder.

Bichos imaginários realizados com encáustica e colagem, em cores rebaixadas, embora mais alegres, trazem um universo menos denso, mas portador da mesma qualidade técnica e preocupação de acabamento, assim como obras mais decorativas e menos compromissadas feitas para compor ambientes, mas marcadas por intensas pesquisas de cor e de materiais.

O diferencial de João Generoso está justamente no ato de fazer e de pensar com profundidade o próprio trabalho. Seus humanos seres imaginários pouco têm de brasileiros. Parecem saídos diretamente de uma atmosfera europeia e portam o peso de quem tem uma história para contar.

Não existe tristeza, mas a criação de uma atmosfera escura marcada pelo claro desejo de tornar um sonho pessoal numa história plástica. Cada nova figura carrega um diálogo do artista com si mesmo e com o mundo. É nessas imagens escuras que o gesto de sua pintura fala, estabelecendo elos entre o mundo que se vive o aquele em que se desejaria estar.

Oscar D’Ambrosio