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Ateliês: Iole Di Natale

Ateliês: Iole Di Natale
24/10/2020

Santo Agostinho dizia que "A medida do amor é amar sem medidas". Essa é a atitude que caracterizou a vida e a obra da artista plástica Iole Di Natale, seja na pintura, na gravura ou como professora. Sua atitude perante suas obras e seus alunos, em seu ateliê na rua Avanhandava, em São Paulo, SP, foi justamente a de um ser humano disposto a amar e a receber afeto.

Caçula de cinco irmãos, Iole nasceu em 1941, em Varese, na Lombardia, na Itália e veio com a família para o Brasil, em 1949, tendo sua introdução na arte com o pai. O ano de 1962 é um marco para a então jovem artista, pois ela realiza uma viagem a Ouro Preto, MG, que será determinante para a sua carreira.

Iole se naturaliza brasileira em 1965 e, quatro anos depois, começa a lecionar aquarela e gravura na Faculdade Santa Marcelina, dando início a uma docência que inclui a abertura do Ateliê Calcográfico Iole, em 1980, a fundação do Núcleo de Aquarelistas da FASM, em 1987, e a criação da pós-graduação em Artes Plásticas – Pintura em Aquarela, na mesma instituição, em 1996.

A artista, falecida em 2016, desenvolveu uma obra de grande vigor. Se nos anos 1960, assume a identidade de artista plástica profissional, o começo dos 70 é marcado pelo início da análise dentro da linha junguiana e pela divisão da vida com Federico Panizza, com quem passa a morar junto em 1971.

Esses dois fatores são plasticamente explorados pela produção de séries em que Iole utilizou basicamente a memória pessoal, geralmente com tons quentes e com uma expressividade que permeia todos os seus meios artísticos. Os corpos criados nas imagens têm muito de Michelangelo na exaltação das formas bem torneadas.

Para artista, o corpo é a matéria-prima de seu trabalho. Significativamente Iole admira especialmente os trabalhos de Caravaggio e de Emil Nolde. Do artista italiano, certamente guardou as imagens de corpos contorcidos e cores quentes; do segundo, uma maneira toda especial de tratar a aquarela como forma de revelar o íntimo da alma.

Nesse cruzamento de cores vivas com técnica esmerada, surgiu a obra ímpar de Iole. O amarelo e o vermelho explodem em aquarelas que mostram corpos nus de um casal em atividades cotidianas. O dia-a-dia de uma parceria existencial ganhou uma dimensão épica. As imagens despidas não são essencialmente eróticas, mas sim universais na simplicidade.

As aquarelas de Iole têm esse poder mágico de transformar o rotineiro no inesquecível, revelando que o melhor da arte é justamente a capacidade de tornar o ser humano melhor em sua relação com os seus semelhantes.

Artista generosa, que ensinou o que sabia e pesquisava o que desconhecia, pintou o amor não porque tenha lido sobre isso na sua inigualável biblioteca de arte nem porque dominava várias técnicas. Seu segredo estava em praticar tudo aquilo que suas imagens mostram. Conhecimento e domínio artístico conjugam-se assim para criar aquarelas e gravuras quentes de humanidade e plenas do amor universal que nasce da valorização de cada instante do cotidiano.

Oscar D’Ambrosio