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Ateliês: Evandro Carlos Jardim

Ateliês: Evandro Carlos Jardim
24/10/2020

Transformar inquietações interiores em produção artística relevante exige perseverança e um compromisso com aquilo que se realiza. Esse pensamento acompanha não só o desenvolvimento de um pensar técnico cada vez mais aprofundado, mas principalmente a construção de uma poética que tenha como base a busca constante por um melhor conhecimento visual.

Isso significa estar sempre alerta para a arte do saber ver, transportando, pelo pensamento e pelas soluções encontradas no ato do fazer, uma interpretação do mundo para um determinado suporte. No caso de Evandro Carlos Jardim, seu universo é o da gravura, sustentado, porém, pela prática do desenho e pelo conhecimento da pintura.

Seu discurso visual é mais poderoso que qualquer retórica. Paulistano, nascido em 15 de abril de 1935, teve, na juventude, uma vivência que marcou sua futura carreira. Por um lado,  frequentava as exposições e palestras promovidas pelo Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - Masp, sintonizadas com a modernidade da época. Por outro, cursou a tradicional Escola de Belas Artes de São Paulo, onde estudou pintura com artistas como Theodoro Braga, Antonio Paim e Joaquim da Rocha Ferreira.

A grande virada, porém, foi o curso de gravura em metal, na Belas Artes, com Francesc Domingo Segura. Era um artista que trazia todo um referencial de vivência com mestres como Picasso e não hesitava em compartilhar o que sabia com os jovens alunos.

Foi ainda como professor de escolas ligadas ao serviço do Ensino Vocacional do Estado de São Paulo que conviveu com pessoas do calibre do dramaturgo Jorge Andrade, entre muitos outros, construindo um pensamento da arte realmente multidisciplinar e uma experiência de vida extraordinária.

Essa trajetória resulta numa produção coerente, sem sobressaltos, mas com uniformidade qualitativa. Há o trabalho recorrente sobre uma mesma chapa de cobre e o revisitar de um percurso ao longo de décadas. Suas imagens da progressiva degradação do Rio Tamanduateí e de personagens urbanos revelam um entendimento visual que foi amadurecendo pelo processo de observação do real e pelas possibilidades que a gravura oferece na sua feitura e na impressão, processos que ele cuida com carinho e rigor.

Admirador do fazer dos letristas de placas de rua e consciente de que a junção da prática com o pensamento teórico é árduo e exige disciplina, Evandro Carlos Jardim exercita a arte de captar atmosferas. Mescla aí o poder de síntese e de erguer uma obra que é um edifício pela solidez plástica e um poema pela sutileza da maioria das imagens.

Oscar D’Ambrosio