A natureza tem uma maravilhosa e estranha relação com a arte. Embora a primeira seja uma obra sob muitos aspectos perfeita, trata-se de um convite permanente a alterações. Para olhares atentos e mentes inquietas, existe o constante estímulo a algum tipo de intervenção que a transforme e devolva alterada ao mundo.
A obra plástica de Bia Doria trabalha justamente na dimensão desse devir. Suas esculturas monumentais são resultado de uma pesquisa estética iniciada quando era designer de joias e, depois, em profícuo contato com Franz Krajcberg. As esculturas criadas pelo encaixe de madeiras e o uso de lixa e do formão, entre outros instrumentos, após o tratamento contra todo tipo de praga, articulam gestos geralmente majestosos.
Partes de árvores mortas por fungos adquirem a dimensão de flores pela maneira como integram as peças escultóricas. Existe assim um louvor à vida, à possibilidade do revigorar da natureza e à esperança contínua de uma nova oportunidade de significação para a matéria morta. Nada mais apropriado, aliás, quando se utiliza a força da madeira, berço motriz de artes nobres como a marcenaria e a marchetaria.
O processo criativo, no plano simbólico, faz reaparecer a matéria morta e, no universo técnico, realiza uma pesquisa de construção de formas no espaço. A natureza é o ponto de partida para um jogo de escolhas, descartes, encaixes e composições que tem como desafio maior a eficácia e a eficiência no trato com a tridimensionalidade. Isso significa, na prática, saber o que escolher, como compor o conjunto e quando parar de mexer em cada escultura.
Oscar D'Ambrosio
Os relevos de parede aprofundam esse raciocínio construtivo. Uma peça selecionada é colocada sobre uma placa. Sob a luz natural ou de uma lâmpada em ambiente fechado, recurso que oferece maiores possibilidades e angulações, surgem sombras que são marcadas como referências para o corte desses suportes. Despontam assim relevos escultóricos que, ao serem expostos com a luz adequada, proporcionam leveza.
Da morta natureza para a viva escultura, Bia Doria percorre um trajeto no qual aprimorou o olhar da escolha e o saber do fazer para enfrentar cada vez mais desafios em sua relação com a sábia natureza, a mais perfeita das artistas e mais estimuladora das mães para todos nós, seus filhos, principalmente os voltados para a criação plástica.
Oscar D’Ambrosio