Enquanto muitos debatem questões teóricas que envolvem a discussão dos limites entre a representação figurativa ou abstrata nas artes plásticas, existem pintores que dão uma dimensão estética a essa preocupação. Para Antonio Hélio Cabral, por exemplo, a figura é essencial, mas ele a decompõe de uma maneira ímpar.
Nascido em Marília, SP, em 25 de outubro de 1948, o artista dá ao seu trabalho uma dimensão épica, entendendo essa palavra como a narrativa grandiosa de uma atividade pictórica. Ele se vale da tinta a óleo com um vigor que assombra. Seu resultado plástico é contundente, com espessas camadas.
A textura impressiona quando nos aproximamos da tela e, nesse instante, perde-se a visibilidade de que ali está uma forma humana. Ora parece que se está perante uma pintura abstrata, ora surgem, construídos pela cor e pelo gesto, esboços de pessoas, quase fantasmas a chamar para uma conversa, a atrair para uma observação mais atenta. E, nesse jogo de distâncias, a forma se dilui novamente.
A motivação da pintura de Cabral ultrapassa o figurativo/abstrato. A indagação do seu trabalho está na construção/desconstrução. Por um lado, existe a pessoa, mas ele a destrói pela justaposição de camadas e por um gestual vigoroso. Há um exercício de retirar matéria da tela e, ao mesmo tempo, de justapô-la sobre o suporte.
O resultado são olhos que observam, rostos destruídos a nos espreitar, gritos de dor e furtivos e encantadores personagens em variadas cores. O domínio do amarelo, azul e vermelho, muitas vezes combinado com o negro e o branco, permite o aparecimento de formas agoniadas.
Os jogos entre perto/longe, abstrato/concreto e violência/placidez definem a obra de Cabral. Seu lirismo quebra expectativas e sempre oferece mais do que parece num primeiro momento. A sua inquietação artística encanta e convida a infinitas revisões de cada quadro. Sua prática revela uma coerência oriunda da prática destinada a desconstruir o humano para revelá-lo mais intensamente.
Oscar D’Ambrosio