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Cao Guimarães

Cao Guimarães

Gambiarras poéticas

Uma gambiarra é, segundo os dicionários, um serviço elétrico mal feito para solucionar um problema. O termo, porém, ganhou novas conotações, indicando algo que foi realizado de maneira caseira e improvisada. Na exposição Gambiarras, de Cao Guimarães, na Galeria Nara Roesler, de 22 de agosto a 23 de setembro de 2006, em São Paulo, SP,  amplia sua capacidade de uso.
  O conjunto de 40 fotografias e um vídeo inédito, Sin peso, feito no México, mostra, desde  um dado usado como peso de vitrola a um clipe usado para prender um soutien. São recursos do dia-a-dia fotografados de modo a ressaltar o colorido e a compor um jogo poético em que a criatividade se torna a grande estrela e onde o único pecado é ter  limitações perante uma questão a ser solucionada.
Os usos de objetos do dia-a-dia em situações inusitadas apontam para o ser humano como um indivíduo capaz das mais incríveis gambiarras para exercer a sua capacidade de enfrentar, concreta e plasticamente, os desafios que a vida propõe e impõe.
A questão das improvisações, com matriz popular, é de grande relevância. Mostra não só o potencial de criatividade como uma disposição – e mesmo necessidade – de praticar um exercício em que as limitações são simplesmente ignoradas. A surpresa surge no ato de colocar objetos conhecidos em novas situações.
O diálogo entre aquilo que o objeto é e aquilo que dele se espera conduz a um movimento mental alentador, pois a ironia das situações, algumas quase surreais, sucumbe perante a constatação de que a imaginação, geralmente a popular, apresenta alternativas que mesmo a arte, em sua apregoada liberdade inovadora, não foi capaz de atingir.
A precariedade de materiais não interessa quando aquilo que está em jogo é a busca de alternativas. Assim como a nascente de um rio costuma se dissipar em numerosos córregos e apenas uma vertente central mais caudalosa, o trabalho de Cao Guimarães consegue evitar o risco de dispersão inerente ao trabalho plástico e intelectual para focar como os problemas ganham soluções.
O que o fotógrafo e cineasta mostra, em última análise, pode ser extrapolado para outras dimensões, principalmente culturais, já que há em sua procura de imagens inusitadas um grande questionamento: até aonde pode ir a capacidade de povos, principalmente a do chamado Terceiro Mundo, como Brasil e México, na sua jornada de superar dificuldades de todas as ordens?
A atitude popular de encontrar soluções não se propõe a ser uma proposta ou uma atitude estética – e nisso constitui o seu maior mérito. Quem a observa com olhar de artista, vendo nelas invenções de valor formal, é Cao Guimarães. A sua observação atenta do cotidiano é que constitui numa postura cada vez mais valorizada.
Dar ao improviso o status de arte denuncia uma forma de ver o dia-a-dia como um potencial universo de transformação da realidade. Nesse aspecto, treinar o olhar para observar essas particularidades torna-se algo importante, pois expressa como a mesmice que ronda boa parte dos trabalhos plásticos pode ser combatida pela habilidade simples – mas fundamental – de saber ver e refletir sobre o mundo circundante. Assim, as gambiarras poéticas de Cao Guimarães se cristalizam como uma forma diferenciada de captar as contradições e oportunidades do mundo.