A força da terra
A terra é um dos elementos simbólicos mais importantes da história da arte. Suas mais diversas manifestações propiciam elos com aspectos essenciais do ser humano, como a maternidade, a origem da vida e as emoções do reencontro com as próprias raízes.
Trabalhar plasticamente com a terra exige o progressivo desenvolvimento de uma sensibilidade e de um pensamento sobre o que significa ter esse elemento primordial nas mãos, verificando como ele está associado à possibilidade de ser moldado de infinitas maneiras. Isso inclui pesquisas de cor e forma, além da presença de mais uma variável: o estado de espírito do artista ao lidar com várias texturas e mesclas.
O universo da terra é uma das preocupações da artista plástica Camilla Nascimento. Nascida em São Paulo, SP, em 25 de setembro de 1971, ela tem, em primeiro lugar, respeito e amor pelo material com o qual escolheu desenvolver seu processo criativo.
O amor a auxilia na escolha das tonalidades da terra e o respeito a leva a lidar com o material sem feri-lo. O uso de outros elementos naturais, como pedras, conchas ou folhas, atribui a cada novo trabalho uma força existencial considerável, ainda mais quando utiliza as mãos no processo de espalhar essa terra, tratando-a como ela merece e explorando suas dimensões visuais.
Base de nossos passos e da alimentação, a terra engloba desde as raízes que abriga aos frutos que as árvores frondosas deixam cair. Caules e troncos fazem esse elo entre o que está escondido e submerso no pó ao que está visível em locais até inacessíveis.
Como mãe que guarda a semente e também fornece a última guarida, Camilla toma a terra como paradigma do processo criativo. Há, em sua experimentação, como não poderia deixar de ser, uma certa dose que fica ao acaso. Isso ocorre quando a água entra em contato com a terra ou quando a mistura de materiais oferece um resultado além ou aquém do que a racionalidade pode esperar.
Atuante em diversas áreas, como produção de arte, aulas de artes plásticas e percussão, iniciação à escultura, técnicas em papel machê, oficina de criação e confecção de máscaras e bonecos e de construção de brinquedos com sucatas, além de arte para crianças e experiência em cenografia e indumentária, criação de troféus, percussionista, ritmista e cantora, Camilla junta vivências de diferentes fontes para construir seu caudaloso rio de prática plástica.
Cada novo trabalho é um aprendizado do próprio ato de lidar com o material e da convivência com cada um deles no sentido de gerar telas com vigor. Isso significa manter a característica visceral do ato criativo, renovando-o a cada instante, principalmente nas obras de maiores dimensões.
A terra, assim, surge com a força da doadora de vida, mas também com o poder infinito de guardar em seu seio toda semente, tanto aquelas que brotam, como a do trabalho plástico de Camilla Nascimento, como aquelas que não vicejam e se perdem para sempre, obedecendo as leis próprias da mãe natureza, nem sempre lógicas para a mente humana, mas definitivas e poderosas.