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Beatriz Milhazes

Beatriz Milhazes

Sinfonia maneirista

A primeira impressão que as pessoas têm da arte de Beatriz Milhazes é que ela transmite um sentimento de alegria. Talvez isso ocorra pela maneira como suas pinturas e colagens lidam com as cores. Existe um clima de efervescência contagiante, da qual tem-se a impressão de que é impossível escapar, como se estivéssemos numa batucada infinita.
Há, porém, nesse universo, onde o sentir-se bem parece ser uma obrigação, uma sutil melancolia, própria do mundo contemporâneo, em que a grande quantidade de informação parece conduzir exatamente a um vazio do qual a arte talvez possa vir a ser uma escapatória – quem sabe a única?
Essa sensação provém, em boa parte, da maneira como Beatriz dá acabamento em suas telas mais recentes. Há nelas algo de sujo e mal comportado que lhes dá uma dimensão mais densa das anteriores. Isso ocorre pela maneira como as cores, que evocam a estamparia, estarem compostas de maneira a ferir os sentidos, motivando necessariamente uma reflexão sobre o motivo de elas existirem.
 O mesmo ocorre, num grau ainda mais agudo quando alguns círculos dispostos nas telas dialogam diretamente com a idéia de mandala, símbolo universal de um universo que nunca termina, pois início e fim se mesclam num movimento perene e interrogante.
  Talvez seja exatamente no jogo de arabescos, com suas reminiscências orientais, que Beatriz gere ainda um número maior de interrogações. O pensamento circular e rebuscado dialoga com a introdução de linhas horizontais estabelecendo uma dinâmica visual que pode ser chamada, por falta, talvez, de nome melhor, de sinfonia maneirista.
  Se, por um lado, estão os elos do trabalho da artista com a música, no sentido dos ritmos que as suas formas estabelecem; por outro, o termo maneirista significa “à maneira de”, ou seja, realizar um trabalho de uma forma absolutamente pessoal, com estilo inimitável e respostas próprias para as escolhas que a arte propõe.
  O mais curioso é que esse tipo de raciocínio sinfônico maneirista ganha uma proporção ainda maior quando se observa o aclamado “psicodelismo” das telas de Beatriz. As cores fortes, nesse caso, são a maneira encontrada de compor painéis da sociedade contemporânea, algo bastante evidenciado nas colagens.
Ao estar perante cada trabalho, o público pode se sentir num ensaio de escola de samba, num cenário de um show tropicalista, dentro de uma capa de disco de rock dos anos 1960 e 1970 ou mesmo numa colagem de Matisse. O mais provável é que vivencie um cruzamento de todas essas emoções. 
Essa mescla não gera um sentimento de perplexidade, mas de encantamento. Estabelece um ritmo fascinante, que é do mundo em que vivemos, onde, assim como no barroco, tudo não passa de representação e metáfora de alguma outra coisa geralmente difícil de ser decifrada, embora pareça óbvia à primeira vista.
Seja nas colagens com papéis coloridos e estampados das mais diversas procedências ou nos trabalhos de pintura propriamente ditos, Beatriz Milhazes é a maestrina de sua sinfonia maneirista. Popular no sentido de obter fácil comunicação com o público e erudita na forma como trabalha as texturas de suas telas, multiplica seu poder de criar interrogações, o que lhe garante um lugar entre os artistas que, pela capacidade de nos perguntar o que somos e o que é o mundo em que vivemos, fascinam.