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Arlinda Nunes

Arlinda Nunes

Um ser em evolução

  "Fui rocha, em tempo, e fui, no mundo antigo,/ Tronco ou ramo
na incógnita floresta.../ Onda espumei.../ Rugi, fera talvez, buscando
abrigo.../ Hoje sou homem". Esse trecho do poeta português Antero de
Quental (1842-1891) ilustra bem o dinamismo presente na obra da artista plástica
Arlinda Nunes.

  Nascida em Pelotas, RS, filha de pai português e mãe brasileira,
obteve a sua licenciatura plena na Escola de Belas Artes, hoje Instituto de
Artes da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), na qual se formou em 1954. Na
instituição, foi aluna do artista Aldo Locatelli, que pintou a catedral local.

  Após quase uma década sem pintar, mas em busca de um caminho próprio
em meio as correntes contemporâneas, passou a ter aulas com a artista plástica
Inah D'Ávila Costa, que cursara Arte Moderna no Rio de Janeiro e lecionava para
grupos de artistas. Nessa época, chegava apresentar até 43 trabalhos numa semana
e, ainda aluna, realizou a sua primeira exposição individual como artista
profissional, na Biblioteca Pública de Pelotas.

Além do curso com Inah, Arlinda manteve contato com outros artistas e foi
somando conhecimentos com cursos no Brasil e no Exterior. Sua trajetória, objeto
de estudo de um trabalho de Maria Alice Kapel Castilho, apresentado, em 1996, no
Instituto de Letras e Artes da UFPel, pode ser dividida em diversos momentos,
que mostram uma artista versátil, seja em trabalhos mais figurativos ou em
experimentações formais.

Inicialmente, de 1975 a 1980, há a pesquisa com plasticor e ecoline sobre papel
canson e plasticor com aguada de tinta a óleo sobre tela. Surgem assim figuras
humanas, algumas paisagens e casarios, mostrados com pouca cor. Ao fundo, já
surgem figuras geométricas, que, posteriormente, ganharão o primeiro plano no
trabalho da artista gaúcha.

  Em 1981, após realizar um curso com o artista Paulo Porcela, passa a
utilizar tinta acrílica, tanto em tela como em papel. Naturezas mortas e figuras
humanas passam a ser retratadas de maneira chapada, mas com maior riqueza de cor
e jogos intensos de luz e sombra.

  Numa terceira fase, em 1984, começa a prevalecer a abstração
informal, com o uso de técnicas mistas e da têmpera, em processos que permitem
maior liberdade criativa. Num momento posterior, em 1988, surgem mulheres com
rostos assemelhados a pêssegos e círculos nos queixos e nas maçãs dos rostos. Os
pescoços se alongam e algumas imagens se aproximam ao expressionismo, embora o
fundo permaneça marcado pelo geometrismo.

  As fases prosseguem rumo à fragmentação formal e à simplificação.
Tons de amarelo, marrom, vermelho e laranja, sob uma luminosidade esbranquiçada,
vão caminhando progressivamente rumo ao círculo, considerado a representação do
equilíbrio entre o cosmo e a energia divina.

  Posteriormente, a figura humana e os elementos geométricos se
entrelaçam, em equivalências de grande valor estético que resultaram, em 2000,
em obras caracterizadas por uma abstração geométrica, e, em 2001, em mandalas
com colagens de placas de vidro preparadas pela própria artista.

Pintadas com tinta acrílica, com as laterais diferenciadas, as telas permitem
que o espectador, ao se aproximar de um lado ou do outro da obra, tenha uma
visão diferente. Com esse recurso, as mandalas criadas por Arlinda Nunes se
diferenciam das muitas existentes em galerias e no mercado da arte. São bem mais
que um mero jogo de cores, constituindo a busca existencial de um sentido
estético de harmonia.

Se as mandalas buscam justamente o conhecimento de si mesmo, as placas de vidro
colaboram com esse processo ao proporcionarem um efeito visual que também induz
e motiva a auto-reflexão. O jogo de luzes e a movimentação interna da mandala se
integram para motivar o observador da tela a conhecer o seu próprio mundo e -
quem sabe - vir a expressá-lo, por meio da arte.  

  Entre uma fase e outra, Arlinda realiza obras com pincel pequeno ou
deixa quadros "de castigo", virados para a parede, até recomeçar a sua
pesquisa e aprimoramento. Acrescente-se que, graças a sua experiência de 25 anos
como arte educadora na rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul, ela
adquiriu uma vivência que, de várias formas, aparece em sua arte, focada,
principalmente, no ser humano e nos frutos que a terra nos dá. Isso não exclui
os trabalhos abstratos e as incursões pela pintura, desenho e escultura em
cerâmica, todos relacionados pela mesma preocupação de encontrar a si mesma e se
relacionar com o mundo.

  Arlinda integra o Movimento dos Artistass Plásticos de Pelotas (Mapp)
e, além de ter em seu currículo diversas exposições no Exterior, recebeu, em
2002, o Prêmio Antiqua Florentia, em homenagem a Giorgio Vassari, da Galeria
Centro Histórico Firenze, na Itália, diploma de honra por sua contribuição à
arte, chamado Arquitetos da Arte, concedido por uma comissão de 30
especialistas.

A tela escolhida pelos julgadores, pertencente à série "Frutos da
Terra", estava na Academia Internacional de Arte Moderna de Roma e é
representativa da obra da artista, que ministra cursos de estruturação,
procedimentos e técnicas, em cidades como Uberlândia, no Estado de Minas Gerais,
e em Pelotas, São Lourenço e Jaguarão, no Rio Grande do Sul.

  Já em 1983, Arlinda havia recebido medalha de prata referente ao
segundo lugar, em Roma, no concurso à aquisição do Troféu "Medusa
Áurea" pela Accademia Internazionalle D'Arte Moderna, comprovando a
qualidade de sua obra e as amplas possibilidades de uma divulgação cada vez
maior no Exterior.

  O fato da obra de Arlinda Nunes estar em constante mudança e
evolução é o seu grande diferencial. O seu trabalho, seja nas obras mais
figurativas - que evocam algumas imagens de Lasar Segall - ou nos mais abstratos
- em que a harmonia é atingida pelo jogo de cores, de luzes e de sombras -
apresenta uma marcante regularidade qualitativa. Há nela o desejo, como aponta o
poeta Antero de Quental, de estar sempre se transformando em busca de novos
referenciais e soluções formais que encantem o observador e o conquistem pelos
jogos estéticos alcançados.