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Antoni Tàpies

Antoni Tàpies

A necessidade de tocar

Criar uma grande parede universal em que a liberdade e a experimentação sejam as palavras de ordem é o motor que impulsiona a obra do artista catalão Antoni Tàpies, um artista absolutamente fascinado pelos materiais, sejam eles madeira, barbante, arroz ou confete.
  O uso de objetos cotidianos em busca de efeitos cromáticos e geométricos torna a sua obra um desafio visual, uma porta para o entendimento da chamada arte contemporânea, muitas vezes acusada de vacuidade. Em Tàpies, porém, o que não falta é conteúdo, seja ele de matéria ou de um posicionamento estético bem definido.
  Nascido em Barcelona, em 23 de dezembro de 1923, o artista catalão teve seu primeiro contato com a arte ainda adolescente, folheando um número Daqui e dali dedicado às vanguardas do século XX. Conheceu assim nomes como Picasso, Max Ernst, Juan Gris, Kandinsky, Mondrian, Duchamp e Miró, de quem se tornou admirador e amigo.
  Autodidata, o jovem começou a praticar realizando cópias, em desenho e aquarela de Van Gogh e de Picasso, principalmente da sua fase pré-cubista. Já naquele momento, ele conta, utilizava a tinta espessa como forma de mostrar um desrespeito pelo academicismo e pela arte considerada mais figurativa e tradicional.
A Guerra Civil Espanhola (1936 a 1939) e a posterior repressão do General Franco à cultura catalã foram marcantes no sentido de desenvolver uma repulsa a qualquer tipo de atitude imposta, fosse ela na vida política ou na arte. Plasticamente, o resultado caminhou sempre pela forma de mostrar como o mais simples objeto da natureza pode compor uma obra, principalmente abstrata, em nome de um conceito.
   Outro dado fundamental nos anos de aprendizado de Tàpies foi uma infecção pulmonar que o deixou praticamente de cama entre 1942 a 43. Foram anos de muita leitura, muita música e de aprofundamento nas idéias do dadaísmo e do surrealismo. Progressivamente, começa a mostrar seu trabalho plástico a outros artistas e, em 1945, instala seu ateliê na casa da irmã.
  O desenho, impregnado pelo sonho, e o desejo de ultrapassar as possibilidades da matéria tornam-se marcas registradas. Areia, terra, pó de mármore, papel e pedaços de pano juntam-se à cerâmica e ao ferro numa mescla de materiais de impactos variados, mas unidos pelo estranhamento
  Fios de tecido brancos e coloridos são grudados sobre a tela, às vezes costurada por cordas que embrulham o suporte. Folhas de papel jornal ou prateado e fios de cânhamo são incorporados aos trabalhos, numa linha ascendente de geração de surpresas, em que a técnica não é vista como um fim em si mesma, mas como questionamento de uma determinada forma de arte que, por sua vez, comporta uma maneira mais conservadora de ver o mundo.
  Trabalhos com tinta a óleo diluída e raspagens de materiais ou da própria tela conduziram a uma primeira exposição individual em 1950. Nesse mesmo ano, Tàpies recebeu do Instituto Francês de Barcelona uma bolsa para ficar dez meses em Paris, onde conheceu, em 1951, Picasso.
  Os anos seguintes foram de uma busca a partir de cores puras e linhas elementares, com o uso de manchas de solvente e veladuras de tinta. Em 1952, faz sua primeira exposição no Exterior, na Bienal de Veneza e é convidado para ir aos EUA. A experimentação, a partir do contato com novos referenciais, prossegue pelo uso, nos novos trabalhos, de elementos como fios de cabelo.
  Pouco a pouco, o artista incorporou o nome Tàpies, que, em catalão, significa “muro”, ao seu trabalho. Começou a conceber sus telas como muros, paredes, portas ou janelas em que a matéria se acumula em combinações de forma e cor marcadas pela presença da fragilidade de alguns elementos, como  areia, em oposição a camadas mais sólidas de terra.
  O material sujo e deteriorado, em resposta a uma sociedade higiênica, que valoriza o novo, é explorado exaustivamente. Assim, o cotidiano usado ganha um ar nobre ao ser transformado em obra de arte e ser levado ao museu. A presença do carcomido é associada também a grafismos, que comporta inclusive alusões ao grafite e à chamada arte de rua.
  Os muros apresentam cada vez mais elementos: roupa branca suja, móveis velhos e objetos do dia-a-dia. Paulatinamente, o contato com o pensamento oriental, principalmente o Zen, a partir dos anos 1970, levou a um resultado mais limpo e sintético com o uso dos mesmos materiais.
  Nesse sentido, a influência da escrita por ideogramas pode ser detectada em trabalhos mais recentes. O curioso está na fusão entre a soltura presente na arte dos grafiteiros e a contenção simbólica e gestual expressa na caligrafia oriental, em variados suportes, como tela, madeira ou papel.
  A plástica oferecida por Tàpies, em linhas gerais, tem um importante denominador comum, que é a vontade do observador de tocar cada obra do artista. Há neles gretas e rachaduras. As “paredes” do artista catalão oferecem justamente um relevo acentuado, marcado por distintas espessuras, seja em realizações mais abstratas ou geométricas.
  O “feio”, rejeitado pela sociedade burguesa, ganha status de arte nobre nas mãos de Tàpies. Isso não impede a presença de certos simbolismos, como o “X”, de negação; o “A”, de Antoni; o “T”, de Teresa, sua esposa e do próprio sobrenome; e as cruzes, ironia ao fato de ele ter lido, num manuscrito catalão do século XVIII, que artistas somente deveriam pintar esse sinal.
  As paredes de Tàpies conquistam por sua estética aparentemente “suja”. Nelas, está a contestação de uma tradição de limpeza estética e, acima de tudo, a mostra de um fazer que tem a liberdade como força motriz essencial. Nessa estética, só existe uma proibição: não ousar e ver os materiais cotidianos como seres inertes, incapazes de serem articulados para compor um mundo plástico próprio, que exige o toque tátil e do intelecto capaz de influenciar artistas pelo mundo.