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Anita Kaufmann

Anita Kaufmann

Celebração de um caminhar

  São poucos os escultores brasileiros que podem comemorar 30 anos de prática artística com uma exposição que tenha impacto e qualidade. Anita Kaufmann é uma privilegiada pelos méritos de seu trabalho e pela oportunidade de ocupar, com sua obra Personagens, em agosto e setembro de 2006, ao mesmo tempo, um espaço público, a Praça do Patriarca, e a Galeria Arte Infinita, em São Paulo.
Suas figuras, em cinza, branco e azul, preenchem o espaço pelo ato de caminhar. O que está em jogo aqui não é apenas o jogo entre as cores ou mesmo a posição desses andarilhos. O que mobiliza o observador das esculturas é a dimensão de humanidade de cada uma das peças.
Há nelas elementos humanos como o vicejar de uma vida e frios como a própria rigidez mortuária. É nessa dualidade que a poética visual da artista se instaura. Ela propicia uma reflexão sobre o quanto somos gente e o quanto viramos máquina dentro do universo citadino e, num nível mais profundo, e denso, no nosso próprio cotidiano.
Realizadas em fibra de vidro, as figuras nuas, sem braços e também sem cabeça de Anita tornam-se uma alegoria contemporânea. São a presença de uma ausência da qual compartilhamos pela nossa condição humana. O sentimento de incompletude que acompanha o homem contemporâneo se evidencia visualmente em seres que estão próximos, em termos de corpos, mas distantes em termos de idéia, já que dominantes, dominados e indiferentes integram uma mesma massa amorfa.
Imersas na multidão, seja num espaço público ou numa galeria, eles metaforizam o caminhar de uma massa que não sabe para onde vai e não tem como possuir coisa alguma. São engolidos pela cidade, pelos mercados, pela publicidade, pelo anonimato, pelo fluir de uma vida que, para muitos, perdeu o sentido.
Na Galeria, além dos caminhantes, há numerosos pares de pés. Feitos em diversos materiais, oferecem aos conjuntos de esculturas/pessoas, em fibra de vidro e resina, possibilidades. Muito mais que um recurso técnico ou demonstração de versatilidade plástica ou escultórica, trata-se da construção de uma iconografia, ou seja, a escrita de imagens de um tempo contemporâneo, em que o pensar se afasta perigosamente do fazer.
Pensar significa justamente tomar decisões, ou seja, colocar os sapatos e caminhar. As esculturas de Anita são, analogamente, uma tomada de decisão. Desde a escolha do material até a seleção das cores e, principalmente, nas posições selecionadas dos corpos em cada peça e nos conjuntos escultóricos, a artista indica uma direção do seu pensamento.
Como um todo, as esculturas apontam para a possibilidade de dar passos, ou seja, a arte tem, em si, o potencial de realizar um movimento. A ação de Anita Kaufmann de esculpir e do ser humano de caminhar são absolutamente simétricas, pois esse andar não é apenas o de ver o chão se mover abaixo de nós, mas, sim, o de sentir a nossa mente – que nos diferencia de todos os outros seres da natureza – se movimentar rumo aos mais diversos  questionamentos.
O maior deles, que as esculturas de Anita propicia, é o de entender o que somos no mundo. A pergunta, eterna, reescreve-se a cada instante quando a arte chega a um formato indagador. As figuras coloridas da artista plástica atingem esse patamar e nos motivam a pensar que criar é o primeiro passo para concluir que caminhar sempre é a melhor ação a escolher.