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Ana Maria Pacheco

Ana Maria Pacheco

A poética do mítico

Em Mensagem, o poeta português Fernando Pessoa (1888-1935) dizia que “O mito é o nada que é tudo”. A máxima ilustra bem a poética da artista plástica Ana Maria Pacheco. Nascida em Goiás, em 1943, e radicada desde 1973, no Reino Unido, onde realiza bem-sucedida carreira, seu trabalho oferece uma visão do mito na fronteira entre o que há de melhor no surrealismo e de mais rico nas diversas mitologias.
  Quando trabalha, por exemplo, o diálogo entre duas figuras míticas, a rainha de Sabá e o rei Salomão, revela uma poética muito pessoal ao tratar  do tema com desenhos de pastel, gravuras coloridas e estudos. O que há de comum nesses trabalhos é a demonstração de como o talento plástico pode estar a serviço de um tema em diversas técnicas.
  De um lado, está Salomão, rei dos judeus célebre pela sabedoria. Do outro, a rainha Sabá, que teria ido a Jerusalém para testar essa sapiência por meio de enigmas. Ela, com suas pernas peludas e patas de asno, desvendadas pela capacidade mental do monarca, é tratada plasticamente com um misto de ironia e lirismo difícil de encontrar hoje no panorama internacional.
  O que mais impressiona em Ana Maria é a sua capacidade de desenhista e gravurista. As várias técnicas que utiliza são de ampla riqueza plástica. Nos trabalhos de menores proporções, verifica-se o cuidado da feitura e um perfeccionismo que a aproxima dos mestres de todas as épocas.
  Ao trabalhar sobre Gargantua e Pantagruel, obra-prima do escritor francês Rabelais, escrita entre 1532 e 1534, composta de cinco volumes, Ana Maria cria imagens a partir das aventuras dos personagens-títulos, que servem de pretexto para satirizar a condição humana e criticar os costumes da sociedade medieval, particularmente a cavalaria, a Igreja e as convenções sociais.
  Ao criar um bestiário moderno, Ana Maria mescla novamente certo onirismo surrealista com a tradição judaica e de outras culturas de criar seres imaginários em que a artista mescla a capacidade de criar a uma exibição aprimorada de como é possível utilizar o conhecimento técnico com contenção, sem exibicionismo.
  Na série sobre “Bandidos e heróis”, merecem destaque os trabalhos sobre Antonio Conselheiro, Tiradentes, Ganga Zumba e Lampião. Há neles, simultaneamente, grandiosidade e dor; magnetismo pessoal e um tom melancólico, já que todos têm em comum um final trágico.
  A resposta plástica de Ana Maria a esses dramas pessoais comove. Ela capta, como Fernando Pessoa, a pequenez humana de figuras exaltadas nos livros como heróis, mas que têm a sua visão humana muitas vezes deixada de lado. Seu trabalho artístico toma sempre como ponto de partida a humanização dos mitos. É nesse exercício de duas mãos que a sua obra impressiona e alcança reconhecimento internacional.