Elos e construções
A pesquisa plástica de Ana Holck, exposta na Galeria Virgílio, em São Paulo, SP, nos meses de agosto e setembro de 2006, surge em duas vertentes complementares. As Pontes, dentro de redomas, são feitas com vinil adesivo e acrílico, enquanto a série Canteiro de obras é constituída por desenhos sobre fotografias de construções monumentais.
As pontes impressionam pelo simples fato de ligarem nada a coisa nenhuma. Isso obriga o observador a se concentrar na ponte em si mesma, na forma como ela foi construída e na sua possibilidade plástica de encantar pelo ludismo que comporta. Cada escultura, portanto, oferece um novo elo com a chamada realidade.
O grande desafio está em verificar como as pontes são erguidas. Há ali um exercício técnico e uma ampla pesquisa de materiais. A função de uma ponte, justamente a capacidade de comunicar universos, é transferida para um pensamento sobre o próprio material, ou seja, a construção ganha o primeiro plano.
Num momento em que a arte contemporânea fala tanto em conexões entre mundos às vezes diversos e certamente dispersos, as imagens plásticas propostas podem ser um ponto de partida para um questionamento dos lugares-comuns que rondam a sociedade, que sempre espera um encadeamento lógico de ações, em que um fato leve ao outro.
As pontes da artista reúnem o mérito de não terem em sua essência a preocupação de ligar coisas, mas sim de instaurar um espaço. Esse universo delimitado pelo próprio fazer é que dá ao trabalho de Ana uma dimensão existencial que não pode ser esquecida, quando cada maquete ou instalação que propõe é planejada e concretizada.
Canteiro de obras parece uma complementação desse raciocínio. O que se vê é um enredado de linhas verticais, horizontais e diagonais que confunde os olhos e cria uma poética baseada na luz das fotos e na riqueza dos traços. Está ali a edificação de uma catedral de sentidos.
Além da questão da técnica propriamente dita, ganha muita força o impacto no observador. Nesse sentido, eles geram uma mobilização sempre alheia à indiferença. Os canteiros são espaços justamente de estabelecimento de uma linguagem e da consolidação plástica de um pensamento.
Pontes e prédios podem ser lidos como a metáfora do próprio pensamento em seu desafio de encontrar alternativas e respostas para as indagações que a arte propicia. Erguer uma ponte significa, nesse contexto, relacionar idéias e uma construção civil, com trações interferindo, funciona como a esquematização de uma rede neurológica de conexões entre o que se deseja e o que pode ser atingido.
A junção dos trabalhos se dá na possibilidade de estabelecer ligações entre as duas séries, num onipresente desafio ao olhar. A máquina do pensamento não pode funcionar se pontes e construções mentais não forem se articulando das mais diversas formas para dar respostas criativas ao mundo.
Nesse aspecto, Ana Holck oferece as suas perguntas e respostas, num jogo simultâneo em que criar significa indagar a si mesma, aos materiais e ao observador a melhor forma de estabelecer elos e construções que ordenam a caótica realidade por meio da capacidade de surpreender e reconstruir o mundo.