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Amancio Chiodi

Amancio Chiodi

A aura feminina

“Acho a mulher o mais incomparável vir-a-ser que tem neste mundo”. O escritor paulistano Mário de Andrade acertou mais uma vez. Justamente a partir de sua inteligência e beleza, muitas mulheres inspiraram artistas a atingirem resultados excepcionais. É exatamente o que ocorre com as fotos de Amancio Chiodi sobre o sexo feminino expostas no Pilão Artes Bar, em São Paulo, nos meses de gosto e setembro de 2001.
Ao mostrar seus trabalhos sobre 40 mulheres, célebres e desconhecidas, Chiodi exalta o universo feminino e lhe dá status de elevada manifestação artística. Três merecem atenção especial: Cacilda Becker, Lina Bo Bardi e Malu Mader. Em todas, o fotógrafo revela uma extrema agudez de percepção da alma humana e, em particular, do intimismo do mundo feminino.
Cacilda Becker (1921-1969), mostrada com o figurino que utilizava na última peça que encenou, Esperando Godot, de Samuel Beckett, fascina pela maneira como encara a lente. Parece que daquele rosto ainda sairão as palavras do dramaturgo irlandês, que, na voz peculiar da atriz ganharam nuances especiais.
A italiana de nascimento Lina Bo Bardi (1914-1992), que veio para o Brasil em 1946, com o marido Pietro Maria Bardi é mostrada em um momento intensamente expressivo. As marcas do rosto parecem abrir caminhos, percursos de sabedoria e inteligência daquela que foi responsável pelo projeto do célebre vão livre de 78 metros do Museu de Arte de São Paulo.
Nessa construção, a arquiteta encanta, fascina e desafia todos os moradores e visitantes da cidade pela mescla de beleza e sobriedade. O mesmo ocorre com as imagens obtidas pela lente de Chiodi, que revelam uma mulher pronta a tudo, disposta a enfrentar desafios, embora marcada pela passagem dos anos.
Além de mais de 15 anos de experiência como repórter fotográfico, Chiodi, em seu trabalho, se vale da sua faceta de artista plástico. As fotos de mulheres que exibe ultrapassam a mera revelação e ampliação. Apurados processos de colagens, recortes e reprodução oferecem novos efeitos, graças à experimentação, influenciada, em boa parte pela pop art, principalmente pela proposta estética de Andy Warhol de trabalhar artisticamente ícones da mídia.
Na forma de expor as fotos, muitas vezes em blocos de nove imagens, levemente inclinadas, geralmente para o lado esquerdo, ressoa também o criativo trabalho com figuras geométricas que evocam o melhor das obras do pintor Mondrian, capaz de obter novos efeitos plásticos em fórmulas aparentemente repetitivas.
A melhor série de fotos, no entanto, parece ser a realizada com a atriz Malu Mader. A musa surge desprovida de glamour, sorrindo, saudando pessoas e dando beijos como uma simples mortal, despida das convenções coletivas para desvelar-se plena como mulher num momento de felicidade.
A exposição inclui ainda painéis, quebra-cabeças, ímãs de geladeiras, banquinhos coloridos e outros objetos criados pelo artista. No entanto, é na fotografia que Chiodi encontra sua forma mais plena de expressão. Suas mulheres, famosas ou anônimas, são viagens existenciais pela jornada de cada mulher em meio a percursos vivenciais que envolvem desde a infância à idade adulta, com especial destaque para a puberdade, a gravidez e o olhar de mulheres fatais, em poses e situações variadas.
Na arte do vir-a-ser apontada por Mário de Andrade, a mulher caminha para a eternidade. Oriunda, segundo a Bíblia da costela de Adão, sua magia sagrada se espalha por seqüências de caras e bocas regadas por inteligência e pelo dom da maternidade. Todas essas facetas estão presentes no sensível trabalho de Amancio Chiodi. Cada foto que apresenta revela a aura do universo feminino, desvendando novas fronteiras de corpos e almas em eterna mutação, com um perene olhar interrogador e intrigante.